sábado, 10 de janeiro de 2015

quinta-feira, 13 de março de 2014

Lembrancinhas de Ipanema - exposição de20.03 a 21.04.2014 - na CC Mario Quintana, espaço Maurício Rosemblatt

Leve esta Lembrancinha de Ipanema

A 1.223 quilômetros da Praia carioca que lhe serviu de inspiração, criou-se, na década de 30, um recanto aprazível nos arredores de Porto Alegre de águas puras, doces e temperatura subtropical.

Perspectivou-se uma praia no estilo da Baía da Guanabara, um balneário para Capital gaúcha.

Praia Ipanema,RS.

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 Esta praia, um recanto a margem do Lago Guaíba tornou-se paisagem portoalegrense a partir de olhares e discursos plenos de afetos e de interesses imobiliários.

Hoje é uma praia interditada em um bairro que se instituiu como um belo e poluído ponto turístico da capital gaúcha

Uma paisagem para refrescar-se à sombra das árvores

sentir o cheiro das águas

estar junto a natureza

caminhar

para tomar chimarrão

não banhar-se

fotografar o por-do-sol

rezar

ver a poluição das águas

curtir a noite

recordar-se como foi esta paisagem um dia

terça-feira, 9 de novembro de 2010

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

domingo, 16 de maio de 2010

sussurros





Sussurros

Morava em um chalé de um verde muito escuro, na Guararapes,186, com uma cozinha de piso vermelho, meio rachado. Para chegar à cozinha, a partir da rua, subia-se dois degraus, e vindo da sala, era preciso descer um outro degrau. Estes degraus que separavam a cozinha da rua ou da sala eram meus lugares preferidos de brincar, era para ali que eu carregava as minhas coisas e brinquedos. Dali, daqueles degraus, eu olhava o que acontecia na cozinha e marcava, pelo desenho móvel do sol no piso, o meu lugar de ficar nos dias frios e úmidos de Pelotas.

A cozinha era grande e alta ou pelo menos assim me parecia naquela época em que eu ainda não sabia ler como os outros liam.

Nós tínhamos nesta cozinha duas mesas: uma bem grande, posta bem no centro do espaço e ladeada de cadeiras e outra um pouco menor mais escura, com uma só cadeira. A mesa grande e branca que era onde se preparavam e serviam as refeições, dali vinham cheiros e barulhos fortes, de cebola picada, de feijão sendo escolhido, de carne sendo batida na tábua para amaciar.

Na outra mesa, era onde se preparavam, em barulhos miúdos, de páginas sendo folheadas e o raspar da ponta da caneta, os estudos finais de minha mãe. Não se via nada quando ela fechava os cadernos ao final do dia.

Talvez pela escolha de brincar no sol, sobre o piso vermelho, que me deixava abaixo dos tampos das mesas, a minha memória de ouvir o folhear das páginas e sentir o cheiro do nanquim é anterior ao tempo em que alcancei com o olhar o alto da mesa de trabalho da minha mãe.

Em razão dos estudos e por prazer, os cadernos e os livros ocupavam um grande espaço de tempo da minha mãe, da minha irmã mais velha e da minha avó. Cada uma de um jeito ou com um porquê retirava-se para um mundo que me era interdito.

Eu enjoada e enjoando vivia pedindo que lessem pra mim ou que me emprestassem as canetas e os livros.

Penso hoje que antes da palavra escrita ter uma materialidade, tinha um cheiro e um som que de tão sutis e antigos, só os recordei agora quando escolhi o nanquim como material de desenho.

Depois veio a visualidade: os cadernos de estudo, os planos de aula de minha mãe, as páginas escritas de alto a baixo, as folhas brancas tingindo-se de azul, e se a mesa fosse tocada, derramava-se o azul e tudo tinha que ser refeito para desespero de minha mãe e meu horror porque na maioria das vezes o esbarrão tinha sido meu!

Os livros didáticos da minha irmã, os romances da minha avó, tudo começou a ser visto e tocado por mim.

Passei, por alguma razão que não recordo, a ter direito de folhear, no meu espaço do chão, alguns livros e folhas já escritas, na maioria imagens de revistas. Neste momento passei a inventar minha leitura a partir do que via.

E a criar mais problemas, pois desenhava linhas e traços nos livros.

Eu lembrei outro dia, vendo a obra de João Bandeira, que eu havia estabelecido um jogo de leitura como modo de driblar o que eu não sabia ler. Inventei, naquela ocasião, que os espaços e outros traços e desenhos entre as palavras, traçavam mapas e caminhos a serem percorridos com os fios de lápis colorido, labirinticamente, desviando das palavras postas, com objetivo de chegar ao fim da página sem romper a linha.

As regras do meu jogo de ler um caminho feito de vazios entre as palavras variavam conforme o meu humor e vontade, apostando na enorme vantagem de se jogar sozinha. É claro que tentei compartilhá-lo, mas, quem já sabia ler, não conseguia desviar das palavras tão facilmente.

No ano seguinte, aproveitando a minha ansiedade e o fato de ser filha de estudante do Instituto de Educação, entrei naquela escola e me iniciei no mundo das palavras. Mesmo no pré-escolar, podíamos ir à Biblioteca.

Foi a Biblioteca, com livros em prateleiras inalcançáveis e de cores e tamanhos variados que me proporcionou uma das experiências de visão e cheiro e quase ausência de som, que até hoje ainda me comove. Havia ali uma imperturbável atmosfera de eternidade, naquela sala onde não se viam as paredes, na qual os passos não faziam barulho e se podia ouvir sussurros, vindos não sei bem de onde, se das pessoas ou se dos livros.

No final daquele ano, minha mãe se formou. Eu tinha 4 anos e vestia uma bata branca, com flor no cabelo. Fui ao palco do ginásio com minha irmã e meu pai entregar o anel de azul anil de professora para ela.

Minha mãe passou a usar esferográficas, abandonando de vez as canetas tinteiro para tristeza da minha avó, que as havia comprado.

Aprendi muito bem onde poderia escrever e que livros não eram para ser riscados ou cortados. Ensinaram ainda que só quem poderia escrever livros era o escritor e que frequentar bibliotecas era algo tão sussurrante e grave como entrar de aia em uma igreja.

(Aliás, o piso da biblioteca do instituto foi o primeiro lugar que vi na vida todo acarpetado de vermelho, tal qual o tapete central da catedral.)

Aos poucos as palavras, o uso das palavras, a escrita das palavras, o mundo das palavras, em páginas, em cadernos, com tintas, a lápis, nos livros e por fim, em bibliotecas, passou a entrar no meu domínio e estas memórias de cheiros, sussurros e desenhos incompreensíveis foram esquecidas.

A escola foi ficando longe tão longe da cozinha da minha casa onde eu inventava por prazer, jogos de leitura nas páginas de livros velhos sob o piso desenhado de sol.