segunda-feira, 23 de março de 2009

Assim se inicia o livro Cem anos de solidão:



Muchos años después, frente al pelotón de fusilamiento Aureliano Buendía habia de recordar aquella tarde remota em que su padre lo llevó a conecer el hielo. Macondo era entonces uma aldea de veinte casas de barro y canabrava construídas na orilla de um rio de águas diáfanas que se precipitaban por um lecho de piedras pulidas, blancas y enormes como huevos prehistoricos. El mundo era tan reciente, que muchas cosas careciam de nombre, y para mencionarlas había que señalaras com el dedo.



[1]
Ainda hoje, muitos anos depois da primeira leitura do livro Cem anos de solidão, toda vez que leio esta frase, sou transportada para um momento mítico de descoberta de mundo. É o mistério do vir a ser, do ainda não dito, do interdido à fala, à conceituação porque circunscrito aos sentidos.

Este parágrafo inicial do livro me faz olhar para o tempo da não-história – para o ainda não-mencionado – na pré-história da vida.

São vários os mitos e as explicações sobre criação do mundo. Neles se contam as origens de alguns dos nossos mundos. As palavras e a ênfase escolhidas para compor uma explicação de origem trazem em seu bojo a própria concepção de mundo do narrador.

Há discursos com ênfase no gesto criador: partir, separar, unir-se em, casar, gerar, concentrar e explodir. Há outros que enfatizam a palavra criadora: faça-se, denominou, chamou, ordenou. Há, ainda, narrativas concebidas a partir de conceitos de vazio e pleno e do pensamento que se aparta de um pensamento do todo e passa a pensar por si. A cada explicação se pode associar um olhar sobre o mundo onde vive o contador da história. Cada história recebe acréscimos ou supressões conforme o tempo da narrativa e dos ouvintes.

Apesar de algumas narrativas de criação de mundo ainda buscarem desesperadamente se auto-comprovar – com tubos gigantes que querem fabricar partículas divinas ou sermões de religiosos fundamentalistas – as comprovações se apresentam como metarrativas da narrativa inicial. A força de verdade de cada história não vem da possibilidade de comprovação, vêm de como é contada.

Para minhas reflexões pessoais as narrativas de cosmogonias se apresentam menos como explicações e mais como processos de conhecimento e descoberta do mundo. O mundo já existe e existia? Ou sou eu que o crio? Há um mundo que carece de ser visto e nomeado.


Já estavam lá as coisas, árvores, pedras, rios antes de eu vê-las? De eu poder separá-las do caos do todo? Antes de eu nomeá-las? Mas se estavam lá, é porque alguém já as tinha visto e apontado, caso contrário... para quem elas pré-existiam ou simplesmente elas não existiam porque não existiam em mim?


Voltando à descoberta do mundo que cercava os Buendias.. El mundo era tan reciente, que muchas cosas careciam de nombre, y para mencionarlas había que señalaras com el dedo[2], o mundo era recente para quem ainda não o tinha nominado. E não tinha tido necessidade de apontá-lo.

Apontar é um gesto, gesto este que pode antecipar palavras, conceitos ou idéias que podem significar esclarecimento ou que podem significar dúvida e desconhecimento.

O que é aquilo? Acompanhado do movimento de esticar o braço e dedo como uma flecha, indica dúvida. Indica esclarecimento quando se aponta para algo para retirá-lo do todo e elucidar. Aquilo lá, isto aqui é...

Em um gesto de comunicação, que pode ocorrer ato contínuo com o de criação, há o outro - e este outro - é aquele que vê para o quê se aponta.

Para criar, penso, conceituo e registro em traço ou palavra o que criei. Mas quando aponto, eu mostro algo a outrem. Apontar é um gesto que faz um traço entre o eu, o outro e objeto apontado. Sim, apontar é um gesto de comunicação. Este traço–desenho liga e implica entre si os três elementos. Este gesto-traço pode ser contínuo, a expressão verbalizada palavra ou qualquer outro sistema de representação.




Por um gesto de criação passa a existir o que antes não existia, o que não estava lá. [3]


[1] MARQUEZ, Gabriel Garcia. Cien anos de soledad. 2003:01
[2] MARQUEZ, Gabriel Garcia. Cien anos de soledad. 2003:01
[3] ROSA, Rita. Obra sem título, acrílica sobre algodão e organza, dimensão 150x100, 2008. (na página seguinte)

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