quarta-feira, 21 de abril de 2010

atlas






ATLAS

Outro dia fiz um curso de encadernação.

- Mantenha a mesma quantidade de páginas em cada volume. Alinhados e arranjados os volumes de folhas. Fura-se na lateral da dobra, usa-se uma agulha com um cabo improvisado e forte. Escolha um fio encerado. O Fio deve ter o dobro mais meio do tamanho da folha. -Não se pode emendar. Cor aparente e combinando com a folha. -Desenhe com a linha e o fio entre as folhas, quase um bordado. - Um firme nó de marinheiro no fim. Caso contrário afrouxa-se a costura e perde-se o trabalho todo.

Não fiquei até o fim do curso. Tivesse eu aguentado tantas vozes femininas talvez soubesse percorrer o caminho contrário ao da encadernação. Agora, me restou inventá-lo e anotar o que faço como em um experimento científico.

- é importante atenção ao abrir um livro:

desalojar da capa protetora

soltar a bandagem fina mas firme que ampara a costura

abrir cada caderno

olhar o conhecimento costurado por volumes

visualizar o que se une e se separa pela economia de gramatura das folhas, pares e volumes

Percorro um caminho tátil de localizar os alinhavos por onde costuraram-se as folhas.

as linhas enceradas são soltas ponto a ponto

o estilete incisa firme e libertador

Descolo a lógica ordenada do saber para inserir espaços.

Surgem outras formas de olhar as páginas

Qual a palavra- desenho- imagem que por mero acaso de montagem de páginas torna-se par de outra?

há que recortar outra página, e outra e mais outra

e outra ainda que insista em prender-se ao fio.

Até onde farei as incisões, abrirei os espaços na circularidade do conhecimento ali encadernado?

Segunda fase.

- Aberta a página, acaricie a folha desdobrada para curar as feridas da dobra e do furo.Sinta a textura do papel.

Olhe bem o que ficou sobre a mesa.

Sinto o cheiro de incompreensível na leitura de algo que perdeu sua seqüência. Uma página fala de furacões a outra de germes, uma de epiderme outra de felinos. Nuvens de granizo e répteis pré-diluvianos. Vulcões em atividade e aparelho Circulatório.

As folhas se empilham. É preciso muita força para separá-las

As folhas ficaram com novos espaços entre. Intervalos. Espaços de respirar.

Como ler na ausência?

Agora que sei encadernar me permiti desencadernar. Saberei ou desejarei recosturá-lo de mesmo modo ou de outro modo?

Qual caminho pessoal associa e percorre estas palavras fazendo sentido nos vãos entre as palavras-imagens?

- pus as folhas de centro dos cadernos em uma pilha,estas páginas mantém a numeração seqüencial. Em outro lado, apartei as folhas dos índices e legendas pois parecem uma forma de codificar o saber sobre um mundo que não existe mais.

Abraço as folhas, trago-as para perto de mim, na mesa em primeiro plano.

Outro dia de leitura.

- recorto as imagens e as palavras contidas nas folhas. Gero silhuetas de coisas que explicavam o mundo.

Às vezes a imagem me captura, às vezes as palavras, em outras eu as capturo.

- Repito o gesto de vazar e soltar os desenhos das páginas, como já fiz com Nostradamuse o Livro de Vocabulário Ortográfico.

O dia passa enquanto solto as imagens.

Como ficam na mente estes conhecimentos agora soltos, o que se liga a que?

Os sonhos da noite aludem ao recorte preciso do objeto que ali havia sido inscrito. Imagens bidimensionais deixando um contorno de um lugar sobreposto sobre outro. Imagens se desprendendo. No sonho, não me perco em contagens, leio as páginas sem numeração, esperando que as letras se acomodem como queiram.

Pela manhã, as páginas vazadas de palavras e imagens foram se aglomerando mais e mais sobre a mesa. As ideias que ocupavam aquele espaço estão em outro ponto da mesa, os olhos de sono rastejam arenosos sobre as silhuetas formadas. O que vêem não sei ver.

Mais tarde, talvez eu leia o que vi

http://picasaweb.google.com/ritarrosa/Atlas

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